Anita


Era 1609 quando Anita saiu flutuando de Praga procurando fugir do tédio e da tortura, e por mais de trezentos anos vagou até firmar pé em lugar algum, quando então não mais fazia sentido sua viagem, e como sua própria existência já era extraordinária. 
No fluir do futuro elegeu os dois principais - e naturalmente secundários (por serem dois) - enganos da humanidade. Entre eles, o de acreditar que o símbolo substitui o significado, e o outro o de não considerar um sonho como parte da Realidade.
Por muito tempo pingou de cabeça em cabeça, tendo inclusive ficado presa por anos num guarda-roupas em Oxford se alimentando apenas de pão e vinho, quando finalmente conseguiu em 1963 arrebentar-lhe as portas, e por puro descuido e afobação chegou com pressa demais nos delírios de Aldous Huxley, mergulhado em LSD, e as visões que lhe entregou do século XXI foram demais para suportar. Segundo conta em sua biografia, Anita nada tem a ver com o incidente em Dallas, alegando que àquela hora já estava chegando na Bolívia, conversando em quechua com o décimo quarto decendente de Pachacuti.
Antes disso, no entanto, Anita passou doces anos nas ilhas do Pacífico praticando orgias intermináveis em dimensões diferentes. Uma de suas amantes mais próximas dessa época afirma vir daí seu único filho. Nascido do choque de oito gametas na dimensão unidirecional do tempo (incluindo um grão de pólen e um átomo excitado de enxofre), foi posteriormente diluído no espaço, desconhecedor do seus pais e de sua forma.
Há quem diga que depois disso Anita tenha acalmado seu ânimo voraz de loucuras, mas ainda hoje têm-se registros de confusões e balbúrdias que lhe são conectadas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário